Acho lindo ouvir meus filhos falando francês ou inglês, mas mais lindo ainda é vê-los falando minha língua materna. Minha caçula nunca morou no Brasil. Nasceu em Nova York, mora na França e sua língua materna, por enquanto, adivinhem qual é? Português. Fala sem sotaque algum (ou sotaque de paulistana), usa as entonações certas, conhece expressões e as usa de maneira correta do alto de seus recém completos 3 anos. Também fala francês e um pouco de inglês.
Teria sido muito fácil só falar inglês em casa. Eu me considero bilingüe. Sou filha de pai inglês. Quando meus pais se separaram minha mãe se casou com uma americano que veio morar com a gente sem falar português. Morei cinco anos em Londres e quatro em Nova York. Durante esses nove anos em países anglófonos, trabalhei em inglês. A maioria dos livros que leio é em inglês - agradecimento à biblioteca de onde morávamos em Nova York, que até hoje me dá direito a downloads gratuitos de livros para ler no kindle. Muitas vezes me pego pensando em inglês, ou traduzindo uma expressão do inglês para o português. Meu filho, se deixar, fala inglês o tempo todo, porque desde 1 ano de idade vai à escolinha em inglês. Agora, que moro na França, praticamente todos os meus amigos são anglófonos. Mas dentro de casa, falamos português. A chave vira, incondicionalmente. No começo era regra, depois virou simplesmente hábito. Não consigo empatizar com mães cujos filhos não falam sua língua. Como é possível manter a naturalidade? Mesmo com marido gringo, façam um favor a seus filhos e falem com eles em português! Eles agradecerão muito num futuro nem tão distante.
Português é e sempre será minha língua materna, aquela em que primeiro aprendi a falar, a ler, a escrever, a fazer contas, a brigar, a fazer piada. Isso não tem como mudar. Sou escritora e preciso buscar muitas vezes uma inspiração nas entranhas, local que apenas o português tem acesso. Sendo bastante sincera e correndo o risco de ter que desviar de ovos e tomates, não empatizo com brasileiros que moram fora por 5 anos e de repente falam português com sotaque. É forçado, é óbvio que é "paia", mesmo assim vejo gente que nem fala tão bem assim o inglês, falando sua própria língua com sotaque, ou com estrangeirismos desnecessários. Fica feio! Sou a primeira a concordar que algumas expressões em outras línguas dizem tudo, e não temos equivalente em português. Sempre uso essas expressões, estão na ponta da língua, como muitas expressões em português também. Mas falar "job" em vez de projeto, ou "dog" em vez de cachorro, não é necessário, convenhamos.
Este pequeno desabafo não teve uma única inspiração. Todos os dias vejo brasileiros que moram fora usando expressões estrangeiras por pura preguiça mental. Temos uma língua riquíssima, capaz de transmitir praticamente tudo. Se está difícil se comunicar sem usar estrangeirismos, está na hora de ler mais em português, para si ou para os filhos, assistir a filmes na sua língua e exercitá-la, porque a tendência é mesmo atrofiar com o desuso, como qualquer outra capacidade mental.
Também está mais que na hora de contar para seus filhos como sua língua é bonita, como vale a pena aprendê-la. Falar da maravilha que é o Sítio do Pica-Pau Amarelo, ou a Turma da Monica. Das músicas da Arca de Noé, da Casa de Brinquedos ou dos Saltimbancos. Do Menino Maluquinho do Ziraldo, da Chapeuzinho Amarelo do Chico Buarque, da bruxa e do Gregório da Eva Furnari, da bolsa amarela de Lygia Bonjuga, da Feiurinha de Pedro Bandeira, do Marcelo, Marmelo, Martelo de Ruth Rocha, e por aí vai. Não tem maior bagagem que podemos passar a nossos filhos do que a cultural. Abrace nossa língua! Nosso país está longe, mas pode continuar vivo dentro de nós e na passagem de cultura e conhecimento a nossos pequenos. Eu que não quero para meus filhos um mundo sem o encanto desses personagens, sem a beleza de nossa língua, sem a importância da minha história.
Criações lentas, verdades minhas e de outrem, meus medos mal enterrados, outros medos também, des histoires noires, sobre a sensação de saudade sem felicidade, sobre estar nua e com muita vergonha. Sobre mim, e não.
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Bia que ótimo! Muito bom...é isso mesmo-Aqui em casa em SP falamos português mas eu minha neta falamos francês ,já que está em escola bilingue e minha língua materna é francês mas...misturamos tudo...a gente passa de um para outro idioma...pois a mamãe, minha filha ficou no português e inglês...(com meu casamento falamos português) e agora 30 anos divorciada eu avó de Sofia 12 anos e tradutora...os dois idiomas comunicam. Obrigada à Lúcia por ter me dado a oportunidade de conhecer seu blog e sua escrita
ResponderExcluir. Beijão. Yvette
Beatriz, que coisa linda o seu amor a língua materna! E mais lindo ainda, ensinar aos filhos e fazer com que eles a usem no dia a dia. Parabéns! Fui colega da sua mãe no Liceu Pasteur e lá tivemos bons professores que nos ensinaram a riqueza do nosso idioma. Cirene.
ResponderExcluirQue bom ver minhas amigas Cirene e Yvette se encantaram com seus textos. Orgulho da mãe!
ResponderExcluir2