Botões de sangue
A pergunta é meio complicada, mas vamos lá. Quando o telefone tocou, eu achei estranho. Aquele não era meu toque. Aquele não era seu toque.
E quando chegaram as flores, eu não vi rosas vermelhas, mas um buquê de bolhas de sangue, maduras, prestes a estourar. Quando não houve mais ponte que ligasse nossos extremos, ficou o luto, mas não a angústia. A angústia de saber que é possível. Se não é possível, se não há pontes, túneis e nem pernas dispostas a camelar, só há luto. O alívio do luto. A plenitude do preto, que absorve incondicionalmente. As lágrimas pesadas de certeza. Certeza da dor. E não lágrimas sem sal, carregadas da dúvida de se vale
a pena
a queda-
livre.
O cabelo caiu para o lado quando a cabeça pendeu para a esquerda. Sempre abri a porta assim, com um sorriso, ansiosa em ver uma certa apreensão nos olhos de quem me via. E poucas vezes isso acontecia. Esse é o problema de ser mais acelerada que o resto do mundo. Sempre esperamos que gastem com a gente a mesma energia que gastamos com os outros. Nunca é assim. Resolvi não gastar mais energia e não pender a cabeça e não deixar caírem os cabelos.
No telefone, na campainha, até mesmo no e-mail. Odeio ver o cursor piscando. É que nem um bate-pé impaciente. De impaciente já tenho eu. E de paciente, no sentido médico, também. Paciente de impaciência.
Talvez seja o caso de aprender a tocar violão, sei lá. Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça... Ou gaita. Gaita é bom porque dá para levar no bolso. Não sei por que digo isso se as roupas que uso não tem bolso nem graça.
Só assim posso correr no jardim e ver os botões de sangue florescerem sem me machucar. A música é capaz de me mostrar o que há de mais sereno e aprazível no mundo lá fora. Mas as campainhas e toques que me circundam não são músicas. São desmúsicas. Qual o oposto de música, afinal? Silêncio é que não é; a própria música é o silêncio em movimento. Música não tem oposto, daí a impossibilidade de não gostar de ouvi-la. Mas as campainhas que soam desesperadas me procurando são o oposto da música que ainda não tem nome. Elas me lembram que alguém por aí ainda tenta acessar meu coração sem autorização. E é só por isso que não levo comigo senão memória e vontade de não-viveres, de não repetir erros. E é só por isso que decidi nunca mais sair de casa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário